quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A BOLSETA E A PIROGA

A BOLSETA E A PIROGA
(miniconto de Nelson Barboza)

Numa viagem de trem, em tempos idos, sentou-se à minha frente uma atraente dama e, em seguida, abriu sua bolseta. Era uma vistosa bolseta, redonda, volumosa e escura. Depois da bolseta aberta, ela foi mexendo com os dedos em seu interior. Em seguida, enfiou toda a mão na bolseta. Cutucava daqui, cutucava dali, em movimentos rápidos. Já estava com a bolseta toda aberta. O interior da bolseta também era escuro e pouco visível. Apesar de pequena, acho que aquela bolseta tinha grande capacidade de armazenamento. Parecia com a bolseta de uma artista que eu vira em uma foto de revista masculina anteriormente. Não era a Bolseta Família, agora instituída. Ela olhou pra mim e disse, meio sem graça, que só abre a bolseta quando tem dinheiro na jogada. Não é qualquer pessoa que pode colocar a mão na sua bolseta. Disse que, se o seu marido fosse preso, jamais iria botar um celular em sua bolseta para levar para ele. Depois que ela mexeu bastante na bolseta, fechou-a e resolveu continuar a conversa comigo.
Disse-me, entre outras coisas, que pretendia viajar para o Xingu, pois tinha uma grande curiosidade em conhecer as pirogas dos índios, que diziam ser fabulosas. Seria uma satisfação para ela se conseguisse sentar numa piroga. Disseram-lhe que o tamanho das pirogas variava de acordo com a hierarquia do índio na tribo. Imaginou, então, que a piroga do cacique deveria ser a maior. Sabia que as pirogas eram feitas de pau duro e não tinham muito conforto, mas queria experimentar. Soube, também, que alguns índios deixavam a piroga na água e outros preferiam deixá-las na areia. Alguns desenhavam figuras na piroga, outros tinham a piroga permanentemente envernizada com óleo de carnaúba. Ela afirmou que acha que vai gostar mesmo é das pirogas envernizadas. Ela soube que tem índio que volta da pesca com a piroga cheia de peixe. Teve um que veio com um siri preso na piroga. Também há índio que lava a piroga todos os dias, porque as turistas preferem pirogas limpinhas. Piroga grande é chamada de pirogão. Na tribo, as mulheres não têm piroga, e a maioria delas só gosta de índio que tem piroga grande. Teve um índio que deu uma baita surra na mulher porque ela quebrou sua piroga e ele ficou meses para consertá-la.
Ela iria continuar falando de pirogas, mas, como chegou a hora de descer da condução, despediu-se e se foi, com sua linda bolseta, pensando nas pirogas dos índios...

Cássia Bran:
Talvez não tenha nada a ver minha resposta, mas é que eu lembrei do meu bisavô italiano, cuja casa vivia cheia de gente, conhecida ou não, e, quando tinha alguém muito moralista por perto, ele falava em italiano uma frase assim pra minha avó, que deixava uma bolsinha com véu e o terço sobre um aparador:
(gritando lá de outro cômodo)
- Bella, mette questo en vostra borsetta foderatta in dentro, per favore. no esser di buona voglia io tocare en questo allora.

As pessoas ficavam se entreolhando. só entendia quem o conhecia e o significado da frase:
- Querida, coloca isto (qualquer coisa que ele pegava na mão) na sua bolsinha forrada por dentro. não estou disposto a mexer nela agora.
Faz sentido. ele além de querer chocar, não mexia na bolsinha dela.

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