A
BOLSETA E A PIROGA
(miniconto
de Nelson Barboza)
Numa
viagem de trem, em tempos idos, sentou-se à minha frente uma
atraente dama e, em seguida, abriu sua bolseta. Era uma vistosa
bolseta, redonda, volumosa e escura. Depois da bolseta aberta, ela
foi mexendo com os dedos em seu interior. Em seguida, enfiou toda a
mão na bolseta. Cutucava daqui, cutucava dali, em movimentos
rápidos. Já estava com a bolseta toda aberta. O interior da bolseta
também era escuro e pouco visível. Apesar de pequena, acho que
aquela bolseta tinha grande capacidade de armazenamento. Parecia com
a bolseta de uma artista que eu vira em uma foto de revista masculina
anteriormente. Não era a Bolseta Família, agora instituída. Ela
olhou pra mim e disse, meio sem graça, que só abre a bolseta quando
tem dinheiro na jogada. Não é qualquer pessoa que pode colocar a
mão na sua bolseta. Disse que, se o seu marido fosse preso, jamais
iria botar um celular em sua bolseta para levar para ele. Depois que
ela mexeu bastante na bolseta, fechou-a e resolveu continuar a
conversa comigo.
Disse-me,
entre outras coisas, que pretendia viajar para o Xingu, pois tinha
uma grande curiosidade em conhecer as pirogas dos índios, que diziam
ser fabulosas. Seria uma satisfação para ela se conseguisse sentar
numa piroga. Disseram-lhe que o tamanho das pirogas variava de acordo
com a hierarquia do índio na tribo. Imaginou, então, que a piroga
do cacique deveria ser a maior. Sabia que as pirogas eram feitas de
pau duro e não tinham muito conforto, mas queria experimentar.
Soube, também, que alguns índios deixavam a piroga na água e
outros preferiam deixá-las na areia. Alguns desenhavam figuras na
piroga, outros tinham a piroga permanentemente envernizada com óleo
de carnaúba. Ela afirmou que acha que vai gostar mesmo é das
pirogas envernizadas. Ela soube que tem índio que volta da pesca com
a piroga cheia de peixe. Teve um que veio com um siri preso na
piroga. Também há índio que lava a piroga todos os dias, porque as
turistas preferem pirogas limpinhas. Piroga grande é chamada de
pirogão. Na tribo, as mulheres não têm piroga, e a maioria delas
só gosta de índio que tem piroga grande. Teve um índio que deu uma
baita surra na mulher porque ela quebrou sua piroga e ele ficou meses
para consertá-la.
Ela
iria continuar falando de pirogas, mas, como chegou a hora de descer
da condução, despediu-se e se foi, com sua linda bolseta, pensando
nas pirogas dos índios...
Cássia
Bran:
Talvez
não tenha nada a ver minha resposta, mas é que eu lembrei do meu
bisavô italiano, cuja casa vivia cheia de gente, conhecida ou não,
e, quando tinha alguém muito moralista por perto, ele falava em
italiano uma frase assim pra minha avó, que deixava uma bolsinha com
véu e o terço sobre um aparador:
(gritando
lá de outro cômodo)
-
Bella, mette questo en vostra borsetta foderatta in dentro, per
favore. no esser di buona voglia io tocare en questo allora.
As pessoas ficavam se entreolhando. só entendia quem o conhecia e o significado da frase:
- Querida, coloca isto (qualquer coisa que ele pegava na mão) na sua bolsinha forrada por dentro. não estou disposto a mexer nela agora.
Faz sentido. ele além de querer chocar, não mexia na bolsinha dela.
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